segunda-feira, 25 de maio de 2009

MINHA OPINIÃO: "È Trabalho de Nego!"


Maria José Cotrim


Todos usufruimos do feriadão esticado do dia do trabalho. Comemoramos em todos os cantos do país o fato de sermos trabalhadores com direitos reconhecidos, com condições de trabalho melhores... e por aí vai. Mas presenciei algo interessante no mesmo dia que me levou a escrever este texto. Passei com um amigo na Borracharia 24 horas e um cara na nossa frente gritava:
___Oh negão... meu pneu furou cara!Tô com uma pressa arruma aqui!

Passaram-se cinco minutos e nada de alguém surgir pela portinha azul.O cara ficava ainda mais nervoso e sempre mencionava a palavra "negão". Poxa o negão tá vacilando e tal...

Um homem loiro,bem sujinho de graxa resolveu encostar e perguntou o que tava acontecendo.
O nervosinho de plantão logo debulhou sua insatisfação: O negão parece que saiu, to com o pneu furado e da hora que grito ele não sai.

O loiro indagou: Mas que negão? - Uai, o que trabalha na oficina!

__Não, mas a oficina é minha quem trabalha aqui sou eu! Não te atendi porque você tava gritando negão, negão.... pensei que era outra pessoa!


Então pra trabalhar naquela oficina é claro que tinha que ser negão? Notadamente, o cara ficou sem graça e deu pra perceber que foi automática a atitude dele. Mas é que a inserção da população negra no mercado de trabalho no Brasil é marcada pela vulnerabilidade que resulta da desigualdade racial. Ela trabalha mais e ganha menos do que a população branca, ocupa postos de trabalho mais precários e está mais exposta ao desemprego. Esta evidência emerge da consulta às estatísticas oficiais.

O resultado desse quadro é a maior incidência de pobreza e miséria entre os negros. Dentre os 10% mais pobres, os negros representam 69, 3% enquanto que os brancos participam com o percentual de 30,2%. Quando nós mudamos o foco para os 10% de maior rendimento,os negros participam deste grupo com 8,2% contra 88, 2% de brancos .

Este massacre cotidiano da população negra deve ser analisado em duas perspectivas: as
perdas acumuladas do passado e as tendências preocupantes do futuro.Olhando para o passado, mesmo antes de constituir-se formalmente um mercado de trabalho, muitos milhões de africanos e seus de descendentes já haviam sido incorporados no mundo do trabalho no Brasil através do mercado de escravos.

Ao longo dos 388 anos, a vigência da escravidão atuou como fator permanente de desqualificação do trabalho livre exercido por uma população negro-mestiça. Tudo era trabalho de negro. Tornou-se mesmo uma regra social que todo trabalho manual, desqualificado era trabalho de negro, muito embora fossem negros os mais finos artistas, pintores, escultores e músicos. A evidência construída pela escravidão cristalizou-se na cultura brasileira como representação negativa do negro trabalhador, atuando ainda como fator discriminatório do negro no mercado de trabalho.

Torna-se então natural para a maioria dos brasileiros ver os negros e negras com as menores remunerações, nos piores postos de trabalho e em maioria na fila do desemprego.Para reverter esse quadro, não podemos descuidar das ações educativas capazes de desconstruir esses preconceitos. Os resultados destas iniciativas, no entanto, só produzirão resultados a longo prazo. Urge, portanto, a adoção de uma política de inserção imediata do negro no mercado de trabalho, de modo a quebrar este círculo vicioso de exclusão e pobreza. Enquanto isso o jargão continua: limpar, lavar, passar...é trabalho de nego!

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