quarta-feira, 29 de abril de 2009

É minha a religião de Umbanda?


Etiene Sales

Hoje a Religião de Umbanda [ o todo religiosa da Umbanda e não uma ou outra
ramificação ] vive uma crise que poucos se dão conta. Talvez porque se
limitaram a ver a Umbanda somente pelos olhos da caridade e se esqueceram
que religião e muito mais do que apenas caridade. Religião é conhecimento,
é o preparo dos discípulos mais dedicados e comprometidos para o sacerdócio
[ vocação, doação, estabilidade emocional e força espiritual também contam,
e muito ], é passar os fundamentos aos médiuns como um todo [ doutrina,
ritos, práticas, ... ], saber respeitar e conhecer os aspectos internos e
externos da religião [ saber que não está sozinho e que outros, de formas
diferentes e com doutrinas diferentes, também fazem parte da Umbanda ],
saber que o sacerdócio é responsabilidade e exigem dedicaçao e amor, que ser
médium de um terreiro exige dedicação, é o trato e o cuidado com a casa, com
seus fundamentos, é o respeito e a irmandade entre os membros da religião, é
olhar o outro com a si mesmo ...

Muitos terreiros passaram a ver a doutrina da Religião de Umbanda como algo
próprio. Indo do particular para o genérico como se, aquilo que alí é feito
( dentro de sua ou suas casas ) , fosse o certo e verdadeiro para todo o
universo Umbandista. Só que essa visão, com o passar do tempo, acabou
gerando preconceito intrarreligioso no seio de nossa amada Umbanda. Por
mais estranho que seja, os Umbandistas são hoje os piores inimigos dos
próprios Umbandistas.

Para muitos o que estamos dizendo pode não fazer sentido, pois não conseguem
ver esses acontecimentos ou não querem ver . Acham que temos que nos
preocupar com os evangélicos, com o ataque que sofremos por parte deles.
Porém, quando perguntamos sobre certos aspectos da Umbanda a essas pessoas,
chegam aos nossos ouvidos ( que criticam os evangélicos de nos atacar ) as
seguintes pérolas:

* Umbanda pura não trabalha com Orixás;
* Umbanda pura não trabalha com sacrifício animal ( preconceituosamente
chamada de "matança" );
* Umbanda pura não utiliza atabaques ( isso é coisa de "Umbanda suja" );
* Umbanda pura não se utiliza de feituras, deitadas, confirmações através de
búzios;
* Umbanda pura não tem títulos, nem sacerdócio ( "Pai de Santo", "Mãe de
Santo", Yalorixá, Babalorixá, Mestre, ... );
* Umbanda pura não trabalha com fumo, bebidas, punhais, ...;
* Umbanda pura não faz uso de imagens sincretizadas de santos;
* Umbanda pura não faz oferendas de comidas, arriadas, trabalhos em
cemitérios, encruzas, estradas ...;
* Umbanda pura é aquela fundada pelo caboclo das Sete encrizulhadas;
* Umbanda Pura é fundamentada na doutrina de Allan Kardeque, em suas obras;
* Umbanda pura não faz práticas africanistas, que devem ser abolidas de
todas as casas de Umbanda proque representam um grande atraso espiritual;

O interessante é que parece que o que vale como "Umbanda Pura" é o que
alguns trabalham e, em grande parte, utilizando sincretismo com o
Espiritismo e até com o Exoterismo.

Na realidade existe uma negação às práticas africanistas da Umbanda, como se
essas praticas fossem algo atrasado ou que não fizessem parte da Religião de
Umbanda. Entretanto, existe uma ultra valorização dos conceitos Espíritas e
a utilização dos livros dessa doutrina, como se a mesma representasse a
própria doutrina Umbandista.

Não tenho nada contra quem utilize livros Espíritas dentro de uma casa
Umbandista, ou mesmo que utilize até a Bíblia ou o Exoterismo, mas o que é
um abuso contra a Religião de Umbanda é achar que a doutrina Espírita é a
doutrina de Umbanda, ou mesmo que, aquilo que é praticado baseado nessa
visão, é a verdadeira Umbanda. Espiritismo não é Umbanda, como Umbanda não é
Espiritismo. O sincretismo pode até ser feito entre elas (no foro íntimo de
cada casa e na orientação de cada guia, vale sua fé, suas necessidades de
crença) , mas daí representar o todo religioso da Umbada é outra coisa.

Lamentavelmente aqueles que têm essa visão acabaram se colocando como
praticantes de algo puro, evoluído ( ou a caminho da evolução ),
doutrinariamente correto, racionalmente aceito; e, os praticantes de outras
formas de Umbanda que têm fundamentos africanos em seu culto, como membros
de uma outra religião ( não podem ser considerados Umbandistas ) ou como
pessoas que ainda não evoluíram, mas que um dia de afastaram dessas práticas
e caminharam para a "verdadeira Umbanda".

No meu trabalho como pesquisador, como administrador de uma lista de
discussão sobre Umbanda ( primeira lista de discussão sobre Umbanda criada
na Internet ) a 8 anos e como membro de muitas outras listas de discussão,
a manifestação do preconceito entre os Umbandistas é algo patente e, muitas
vezes, se pronuncia de maneira discreta e as pessoas não percebem que estão
sendo preconceituosas. Elas acham realmente que aquilo que elas praticam é a
Umbanda, é a Umbanda verdadeira, a Umbanda Pura e o que não se enquadar na
sua forma, doutrina e prática, não é Umbanda. Da mesma forma, as pessoas
que praticam de outra maneira a Umbanda não podem ser Umbandistas. É como
se um Cátolico dissesse que ele é Cristão, mas que o Batista não é, ou que o
Batista dissesse que ele é que é o Cristão e o Católico não é.

Essa forma de pensamento preconceituoso ou purista é muito perigosa. Inibe
uma interação maior entre os Umbandistas, principalmente porque se cada um
acha que a sua forma de praticar é a verdadeira verdade e, que as outras
formas são ruins ou perniciosas, não fazendo parte da Umbanda, como
poderemos nos unir e combater àqueles de fora que nós perseguem? Como
poderemos nos unir para trabalharmos juntos, seja no que for, se um diz que
o que o outro faz é errado, que não é Umbanda, que é sujo, ...?

Nós Umbandistas precisamos ver que a Religião de Umbanda é muito mais do que
aquilo que praticamos como Umbanda; que aquilo que praticamos como Umbanda é
uma dentre muitas outras formas do todo maior que é a Religião de Umbanda;
que um dia, talvez, seja necessário acrescentar um adjetivo ao que fazemos
como Umbanda ( que é algo muito difícil pelo fato de muitas ramificação
tentarem impor sua forma e prática como se elas fossem as melhores e as
verdadeiras ) para podermos especificar melhor ou individualizar a nossa
prática diante do todo religioso e diversificado que é a Religião de Umbanda
( como aconteceu com o Cristianismo: Igreja Católica, Igreja Ortodoxa Grega,
Igreja Ortodoxa Russa, Igreja Batista, Igreja Prebisteriana ... e tantas
outras, mas que todas se dizem Cristãs ).

O fato é que o preconceito dentro da Umbanda existe e cabe a cada um de nós,
Umbandistas, termos humildade de ver o outro, mesmo com práticas e doutrina
diferente da nossa, também como Umbandista. Não podemos cer egocêntricos ou
soberbos de achar que aquilo que praticamos é o melhor, é a verdade
verdadeira de nossa religião. Todos nós Umbandistas somos filhos dessa mãe
chamada Religião de Umbanda e, nenhum de nós pode se achar mais filho do que
o outro. Mesmo tendo pais diferentes, a mãe é a mesma, a essência que ela
nós passou, o sopro de vida que ela nos deu é o mesmo, só que se manifesta
de forma diferente.

A obra de Deus é rica em diversidade, mas todos nós somos filhos desse mesmo
Deus.

Etiene Sales
é Umbandista, formado em Administração de Negócios e
pesquisador sobre Umbanda e outras tradições religiosas.

Um comentário:

  1. Olá boa tarde!
    O texto é muito belo! Parabéns!!!
    Eu me mudei recentemente para Palmas e gostaria de saber onde há terreiros de Umbanda.
    Obrigada pela atenção!

    Angelica.

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